Paris do Meu Coração
Percorrendo o Boulevard de St. Germain de Prés, passeio
pelos históricos cafés e cervejarias desta avenida: Café des Leures, Les Deux
Magots, La Brasserie le Lipp, e relembro aqueles tempos em que nos inspirávamos
e bebíamos de ideias progressistas e celebrávamos juntos a eterna juventude.
Contornando grandes lojas de roupa, decoração e adereços pessoais, cheguei ao
Arco do Triunfo e aí observei os relevos pormenorizados e impressionantes das
importantes batalhas travadas pelos franceses. Depois desci os Campos Elíseos,
avenida monumental que vai do Arco do Triunfo à Praça da Concórdia. Passei por
vários restaurantes, brasseries e outras lojas de moda e fiz também o triângulo
da Avenida Montaigne com a Avenida George V, a zona nobre da actual Paris, com
os sumptuosos hotéis e mais e mais lojas de moda.
A Torre Eiffel é sempre aquele monumento turístico,
desgastado com o tempo, com o comércio e com o lucro. Pode-se subir de elevador
ou pelas escadas, quase 2000 degraus. E passear no Sena nos bateaux mouches é
algo inevitável. As maravilhosas pontes, mais os amantes que passeiam junto ao
rio... C’est magnifique! Do Sena podem contemplar-se os monumentos mais
importantes de Paris, como a Catedral de Notre-Dame, a Réplica da Estátua da
Liberdade em frente à Torre Eiffel, o Museu do Louvre, a Praça da Concórdia, o
Palácio da Justiça. Vale a pena visitar o Centro Pompidou e ir ao famoso Moulin
Rouge.
Sigo de olhar atento, mas talvez nostálgico: oh Paris,
Paris!, como te amo e te tenho no meu coração por tantos séculos de memórias.
Como me inspiro nesta cidade de elegância, de delicatesse. Como te guardo no
meu coração sagrado de Monmartre, de Senas inesquecíveis, dos amantes que
fomos, por todos os longos passeios que pela cidade demos. Oh Paris, Paris!
Parece que tudo mudou nestes tempos, estes jovens não sabem já viver como nós
em tempos felizes passados.
Estar no Sacré-coeur e sentir aquela beleza colossal, aquele
silêncio acolhedor. Do sagrado coração vejo toda a cidade que se estende num
manto de névoa, Montmartre esconde histórias passadas de pintores e de poetas e
parece chamar por quem a espreita, mas já não há quadros nem poemas, apenas
prostitutas e dinheiro e febre de consumo. Toda a arte e delicadeza se
dissiparam como uma vela que se apaga já sem vida.
Só há fachadas e montras, boutiques chiques que ostentam
tudo o que têm e mostram tudo o que valem. E até os sonhos são de matéria oca,
partem-se em pedaços, em mil pedaços sem vida.
Oh Paris, onde está a vossa essência quase sagrada
d’outrora? Onde está a vossa luz, Eiffel de ferros velhos, de torres inspiradas
de azul da cor do céu? Pergunto a quem, Paris d’outrora?
Esta é Paris de tempos actuais envolvida em espirais de consumos
tais que ninguém mais aguenta viver sem ti. Oh Paris, Paris!, como te vejo
infeliz tão sozinha, num quadro sem vida, sem cores, tão despovoada de
pensadores nobres, de artistas geniais. Onde estão Prometeu, Dionísio e Orfeu?
Onde está a poesia que alimentou tantos amantes? Não há pinturas nem diamantes
para enterrar em Montparnasse, só há Pradas e Armanis, Guccis e Chanel,
Bulgaris e Cartiers tão vulgares.
Oh, Hemingway de outrora, Marcel Proust e James Joyce, Oscar
Wilde e Sá-Carneiro, que Deus vos tenha em paz e não guardeis ressentimentos
por não estardes cá. Pouco interessa neste mundo! Como diz Cesariny, só há três
formas de se viver este mundo: como bêbado, como apaixonado ou como poeta. Mas
já nem os poetas vivem, estão roucos e sem voz para cantar ao mundo, os versos
que o mundo tanto precisa de ouvir.
Quantos aos prazeres carnais, esses, Paris ainda tem muito a
oferecer, a gastronomia é riquíssima, variada e, além de saciar o corpo,
preenche-nos os olhos e a alma. Fica a sugestão, se quiserem ir ao céu,
mantendo-se sentados em frente ao Sena, basta pedirem um copo de Kir Royal e
umas deliciosas ostras e terão um momento inesquecível.
Adeus Paris que me vou! Vou-me triste de te ver agora, mas
vou-me feliz por te ver e te sentir eterna de outros tempos.
Rui Bizarro
Jornal: O Público - Fuga dos Leitores
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