Varanasi, a Índia mais sagrada de todas as Índias
Não sendo
propriamente a cidade mais turística, Varanasi é considerada pelos hindus uma
das cidades mais sagradas da Índia.
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O ponto
mais importante de qualquer peregrino que chega a Varanasi é banhar-se no rio
Ganges, nas suas águas sagradas. É muito comum as pessoas levarem água para
casa em grandes garrafões. Acreditam os hindus que tomar banho nestas águas os
limpa de todas as impurezas. Aqui vemos as pessoas a beberem água, a lavarem
roupa, a atirarem os corpos mortos para as águas, enquanto vários barcos a
motor circulam por entre imenso lixo.
A primeira
coisa que fiz depois de pousar as malas no hotel foi dirigir-me ao Ganges para
molhar os pés e as mãos e purificar-me com estas águas — sujas, mas ao mesmo
tempo puras e sagradas. Sentei-me junto ao rio, meditei um pouco e ali permaneci.
Era de noite já, com um imenso nevoeiro, o que parecia tornar este local ainda
mais mágico. Que enorme paz e silêncio! Depois fui até à Burning Gate
(Marnikarnika Ghat). Diz-se que quem morrer em Varanasi, santo ou pecador, verá
todos os seus pecados serem perdoados. Há lugares onde vivem vários idosos,
oriundos de toda a Índia, à espera da sua hora para partirem desde este lugar
sagrado.
Neste lugar
de cremação há sempre muita gente, viva e morta, à espera de vez para ser
cremada. Aqui as cremações são feitas continuamente, e são feitas cerca de 150
por dia. Os corpos são trazidos numas camas de bambu, envolvidas nuns tecidos
lindos coloridos, e são pousados junto aos crematórios. Ao longe, ouvem-se
cânticos: “Ram Ram Satahe; Ram Ram Satahe...”
Quando
chega a vez de o corpo ser cremado, este vai ao Ganges ser limpo e abençoado.
Espera-se uma meia hora para secar e depois é colocado em cima de uma pilha de
madeira, onde são retirados os tecidos, ficando apenas um lençol. É colocada
mais lenha por cima e o corpo é também pulverizado com muito sândalo em pó,
orgulhosamente apelidado pelos indianos de “holly wood”, para que seja
purificado. Assim que o corpo está preparado, ateiam-lhe fogo — a chama em
Varanasi está constantemente acesa. De seguida, são dadas cinco voltas ao
corpo, que representam os cinco elementos: Terra, Água, Ar, Éter e Fogo. A
carbonização do corpo dura aproximadamente três horas. Ao fim de duas horas,
batem com um pau na cabeça do defunto para que a sua alma possa finalmente sair
do corpo e viajar.
Todas as
pessoas devem ser cremadas para que possam ser ajudadas no moksha, ou
seja, para que a sua alma possa partir livremente e possam libertar-se do samsara,
do mundo material e dos ciclos de morte e renascimento.
Existem, no
entanto, cinco tipos de pessoas que, ao morrerem, não necessitam de serem
cremadas, pois a sua alma tem já o moksha garantido. É o caso dos saddhus
(homens santos), de mulheres grávidas, de crianças, de pessoas mordidas por
serpentes e, por último, pessoas com algum tipo de deficiência. Nestes casos,
os corpos são colocados directamente no Ganges para que os peixes se
encarreguem de os comer e a decomposição decorra naturalmente.
Ao
passearmos nas margens do rio, perdemos a noção do tempo e do espaço, como se
ali tivéssemos alcançado tudo. Sinto-me a transbordar de amor com tanta beleza
aqui no Ganges. Com esta atmosfera de paz e leveza, sinto-me a pairar e a
sorrir para todos os seres. Uma felicidade invade-me e eu abraço-a plena de
amor. As pessoas passeiam, felizes, e sorriem despreocupadas para o mundo.
Parecem todas crianças com a sua bela espontaneidade, com seus corações puros.
A deusa Ganga abençoa-nos a todos.
Ao
partilhar o que sinto, adorava que este momento se eternizasse, para não mais
perder esta sensação tão difícil de expressar. O meu coração sorri, fresco,
inocente. Como se toda a vida convergisse para este exacto momento. É próximo
da sensação de realização interior, como se não precisasse de nada mais. Uma
sensação extraordinária! Como se abarcasse o todo dentro de mim.
Rui Bizarro
Jornal: O Público - Fuga dos Leitores
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